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jueves, 16 de abril de 2015

Maratón de lectura en portugués

Todos los años se celebra en Cáceres un maratón de lectura en portugués en el quiosco de la música del Paseo de Canovas, este año es el día 29 de Abril y se quieren conmemorar los ocho siglos de lengua portuguesa. Esta actividad está dentro del programa de la feria del libro.
Os animo a todos a participar en esta interesante actividad!
 Se é português, é bom!!
Según varios autores, los mejores libros negros, es decir de novela negra y criminal. Ilustración de Fernando Vicente/elpais.com


Aquí os dejo algunas de las propuestas:

COMEMORAÇÃO 800 ANOS DA LÍNGUA PORTUGUESA
PROPOSTAS DE TEXTOS

OLAVO BILAC (BRASIL)
Língua portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
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FERNANDO PESSOA
Livro do desassossego, Bernardo Soares

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.

Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio...» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.
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Caetano Veloso
Língua
Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(- Será que ele está no Pão de Açúcar?
- Tá craude brô
- Você e tu
- Lhe amo
- Qué queu te faço, nego?
- Bote ligeiro!
- Ma'de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
- Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
- I like to spend some time in Mozambique
- Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem
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Manuel Alegre

A música secreta da língua portuguesa

[...] Mas a poesia é também a língua. A música secreta da língua. Na língua portuguesa essa música é um marulhar contínuo. «Há só mar no meu país» — escreveu o poeta Afonso Duarte. E um poeta angolano falou da língua portuguesa como língua de viagem e mestiçagem. E eu acrescento: rio de muitos rios. E também pátria de várias pátrias. A língua é una. Mas é diversa. Tanto mais ela quanto mais diferente. Tanto mais pura quanto mais impura.
Tanto mais rica quanto menos castiça e mais mestiça. Sem esquecer que houve o português de múltiplas tiranias e de várias resistências. O português da opressão colonial e o português da luta de libertação nacional.
Estranha contradição e, ao mesmo tempo, soberbo privilégio de uma língua que, tendo sido a do sistema colonial, foi também a língua em que os povos começaram a procurar, a pensar e a dizer as suas identidades. Nos poemas, nas revistas, nos textos fundadores, mais tarde na luta de libertação e finalmente na proclamação da independência.
Língua de luta e poesia. Angola independente já estava nos poemas e nos textos em que Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Mário de Andrade e outros afirmaram a sua angolanidade e proclamaram: «Vamos redescobrir Angola, vamos voltar às raízes.» E o mesmo aconteceu em Moçambique com os poemas de José Craveirinha e os discursos de Samora Machel. E também em São Tomé e Príncipe com a poesia de Alda Espírito Santo. E na Guiné-Bissau e Cabo Verde com a escrita dos seus poetas e os textos ideológicos e políticos de Amílcar Cabral. E finalmente em Timor, onde as armas e a poesia andaram juntas.
E que Brasil mais brasileiro do que o que vem de Castro Alves a João Cabral de Melo Neto, passando por Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, sem esquecer a prosa de Machado de Assis, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Lígia Fagundes Teles? Recorde-se que já no século XIX Almeida Garrett tinha escrito uma ode em que saudava a independência do Brasil, sublinhando que ela acrescentava "a lusa liberdade".
Fernando Pessoa, através do seu heterónimo Bernardo Soares, escreveu: «A minha pátria é a língua portuguesa.» A língua em que Portugal existiu sempre e em que os seus poetas cantaram a liberdade mesmo quando o povo português era também um povo oprimido. Língua da liberdade resgatada pela revolução dos cravos a 25 de Abril de 1974. Eis a língua cuja literatura vai ser objecto de estudo na nova cátedra agora inaugurada nesta tão antiga e livre universidade.
«Cada língua — como escreveu George Steiner — é um acto de liberdade que permite a sobrevivência do homem.» É certo que hoje os novos oráculos não estão em Delfos. Estão nas bolsas e nos mercados. Mas a fonte de Castália não secou. A escrita poética preserva o sagrado e é uma forma de resistência contra o grande mercado do mundo e a degradação da vida.
Hoje, como sempre, poesia é liberdade.

 Parte do discurso proferido na inauguração da Cátedra Manuel Alegre na Universidade de Pádua (19-04-2010)
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UMA LÍNGUA E DIFERENTES CULTURAS
Manuel Alegre
Eu creio que pela mediação da poesia os poetas fundaram os povos. E os povos fundaram a língua. E a língua fundou as nações. Língua de viagem e mestiçagem, como gosta de dizer o meu amigo Manuel Rui. Rio de muitos rios. E talvez pátria de várias pátrias. Sem esquecer que há o português da opressão e o português da libertação. O português de múltiplas tiranias e o português das várias resistências. A língua é a mesma. Mas não é a mesma. É una. Mas é diversa. Tanto mais ela quanto mais diferente. Tanto mais pura quanto mais impura. Tanto mais rica quanto mais mestiça. […]
Uma língua e diferentes culturas. É essa a nossa riqueza. Somos diferentes na mesma língua. Uma língua em que as vogais não têm todas a mesma cor. O A de Craveirinha não tem a cor do A de Sophia, o E de João Cabral de Melo Neto não é o de Ramos Rosa, o O dos angolanos Rui Duarte de Carvalho e Manuel Rui não é o Cursino Fortes nem o de Eugénio de Andrade. Não falo sequer da cor das vogais portuguesas a certas horas na Foz de Arelho, que é a minha praia. Direi apenas que nenhuma é branca. E em todas, desde Camões até Camilo Pessanha, há sempre um tom de verde que é o tom do Atlântico. Para já não entrar nas consoantes que, em Portugal, como se sabe, assobiam, na África cantam e no Brasil dançam. Temos um língua com vogais multicolores e consoantes sibilantes, ondeantes e até serpenteantes.
Uma língua onde há um música de fundo comum, o mar. O mar dos nossos encontros, desencontros e reencontros. Mar de uma língua e diferentes culturas. Viagem de nós para nós. Viagem de nós para o mundo.

Excertos de comunicação apresentada no Programa Cultural da Expolíngua, em Madrid, em março de 2003.
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José Luís Peixoto

Esta língua e eu

Nunca vou conseguir avaliar esta língua apenas pela sua música. Está demasiado dentro de mim para que seja capaz de alcançar esse exercício. Disse a minha primeira palavra em 1975 e, desde então, o meu vocabulário tem aumentado. Ao ponto de, quando não sou capaz de dizer algo nesta língua, ter a sensação, certamente errada, de que se trata de um assunto impossível de descrever.
Estou misturado com esta língua. Corre-me pelo interior dos pensamentos e estou convencido que esse lugar sou eu: a minha história, aquilo que fui capaz de aprender. Todas as ideias me são ditadas nesta língua, até as mais inconfessáveis, as que nunca chego a contar a ninguém, que rejeito logo, que não sei donde me surgem, até as ideias mais banais, que quase não escuto por serem tão prosaicas, tão feitas de quotidiano repetido.
Estou nesta língua e, talvez por isso, não gosto sempre dela. Não sou desse tipo de gente que todos os dias aprecia aquilo que o espelho reflete. Mas não é uma situação que me aflija. Sei com segurança que também esta língua nem sempre gosta de mim.
Podia ser pior. Cá nos vamos amparando. É como se tivéssemos um contrato silencioso. Esta língua dá-me muito e eu tento não ser mal-agradecido, esforço-me por dar algo que possa ser-lhe útil.
E assim o tempo vai passando.
Mês após mês, ano após ano, é como se partilhássemos um apartamento. Habituámo-nos ao cheiro um do outro, implicamos com as pequenas coisas (comeste os meus iogurtes?) mas temos os nossos momentos, são nossos e, quando acontece alguma novidade, temos pressa de chegar a casa para contá-la um ao outro.
Nunca vou conseguir avaliar esta língua apenas pela sua música, como nunca vou ser capaz de dizer ao certo se a minha mãe é bonita. Há fortes campos magnéticos que me desafinam esses barómetros. Não chego a sentir a angústia. Aquilo que tenho e que sou capaz de discernir dessas relações satisfaz-me e lança-me desafios de suficiente complexidade.
Por isso, não se espere que eu afirme que esta língua é mais agradável do que o húngaro ou do que o finlandês. Da mesma maneira, não vim aqui para dizer que a minha mãe tem uma beleza rara, com encantos mais especiais do que a vizinha ou do que a mãe dos outros. Mas é minha mãe. Da mesma maneira, esta língua é minha e eu também lhe pertenço.
Adorava estar na disposição de escrever uma ode a esta língua, com a voz colocada para ser ouvida nas últimas filas, cheia de adjectivos arcaicos e exclamações solenes. Duvido que faltassem ocasiões para usar essas palavras, teriam préstimo para adornar muitos momentos. Mas hoje não estou próprio para sentimentos tão fervorosos. Estou tranquilo, coberto por alguma sensatez; e, se bem a conheço, creio que esta língua também não está com pressa de chegar a nenhum lugar, sinto-lhe essa paciência na respiração. Sinto essa paciência em mim, na minha respiração. Às vezes, não sei se sou eu que falo com esta língua ou se é esta língua que fala comigo.
Excerto de artigo publicado em setembro de 2013, na Up Magazine, revista de bordo da TAP Portugal.
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Guadalupe Magalhães Portelinha (junho, 2013)
A minha língua

A minha língua é bonita como um vestido de domingo
é bela como o tempo
tem passado,  presente e futuro
tem sons que enchem a minha casa de afetos
afetos dos sentidos, dos cinco
afetos que me afetam e me tocam
me vestem e despem a alma
e arrancam
os pregos que me amarram
e alteram a minha vida, numa transformação física
e tem cores que se misturam na água da minha boca
numa solução química, ora doce ora amarga.
a minha língua fica às vezes presa com palavras
debaixo da outra língua que as quer esquecer
e  precisa  da memória para as recordar.

A minha língua é um universo
de palavras penduradas nas  estrelas
visitantes de planetas que esperam vida
procurando nebulosas e cometas errantes
a minha língua  pronuncia as palavras, como só ela
com os dentes, o palato, os lábios, a garganta, o nariz
e tem uma sonoridade especial
uma frequência linguística universal
e é pessoal na declinação
as palavras da minha língua não são submissas
têm um aprumo
uma firmeza  na forma
uma expressão eficaz
e uma eficácia na expressão
uma expressão musical de saudade
ou uma saudade musical
um afastamento, uma procura de infinito.

A minha língua é a minha pátria
que caminhou sobre as águas
galgou continentes e ficou murmurada em distantes lugares
desviada da  matriz histórica
descobriu os segredos do mar sem fundo
embrenhou-se  nas florestas
perdeu-se nos desertos
enfrentou  os olhos de animais nunca vistos
misturou a cor das savanas com o troar das cascatas
descobriu as margens, sem margem dos imensos rios
arranjou palavras novas, para surpresa do canto
dos pássaros com penas de arco-íris
sentiu a febre do calor e o arrepio do frio
fez sermões e falou aos peixes
capturou índios e na noite fez escravos
pela fé, cometeu pecados sem perdão
pela ganância, cometeu crimes sem redenção
foi amaldiçoada na sua tirania
e carrega a culpa e a expiação.

A minha língua percorreu
mares e céus
montanhas e areias brancas
molhadas pela torrente das lágrimas
e viajou com a alegria das gentes
e chorou com a tristeza cobrindo rostos
que a minha língua exprimiu
silaba a silaba, na voz do povo
em cantares de amor, de amigo, de fados
e tomou novos rumos
nuances sonoras das aves, dos lugares
dos ventos desconhecidos
do rumor das árvores de troncos largos
do cheiro da pimenta,  da canela, do gengibre
do odor do cravo e do alecrim
do perfume da erva fresca e das flores vermelhas.

A minha língua tem sons únicos
que enchem a boca silvando
e soam no nariz como trovões
sons antigos, porque
a minha língua é jovem, antiga e sábia
carrega a sabedoria das palavras onduladas do mar grego
traz dentro dela as estradas romanas
e o som dos cascos dos cavalos
o cantar sonolento e inebriante dos minaretes
a energia agressiva das  invasões bárbaras
os olhos rasgados dos impérios do Oriente
a sedução dos tambores negros da selva
e ficou uma língua nova, sendo velha
com rugas que são património
porque a minha língua é rica e bela
conjugada no  passado, presente e futuro.
A minha língua tem palavras caras
a preço médio, para todos,
palavras que podem ser perigosas, se levianas
que podem ser bravas, se de indignação
que podem ser fortes se de justiça
que podem ser doces, se de amor
que podem ser brancas, se de paz
que podem ser soltas, se de liberdade
que podem ser...
belas como as roupas de domingo
de muitas gentes
vivendo em  muitos lugares
belas e únicas como um vestido de domingo
que eu visto, na infância do tempo…

_________

Problema De Expressão

Só pra dizer que te Amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.
Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
Só pra dizer que te Amo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.
E até nos momentos em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
Pra ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto.
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José de Almada Negreiros
Ode a Fernando a Pessoa
Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade, e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre depois da idade
e tu quiseste acertar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era de hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
E Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho 
a bandeira de Portugal
vertical
sem pender para nenhum lado
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é maneira de acabar com partidos
e de ficar talvez o partido de Portugal
mas não ainda talvez Portugal!
 
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.
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Nuno Júdice
O conceito de Metáfora (com citações de Camões e Florbela)
Transforma-se a imagem no objecto visto:
amada no ramo pousada, ave e memória,
peças espalhadas num luga sem história
que o poema arruma sem nada ter previsto.

Deito essa imagem num velho travesseiro,
toco-a com os dedos de um verso antigo
e digo-lhe: <<Amo-te ainda; vem comigo!>>,
quando ela me oferece o seu corpo inteiro.

Nada do que aqui está tem um fundo
na realidade em que nasce esta linguagem;
o verso engana em cada imagem,

e só dentro dele faz sentido o mundo.
Por isso te escondo aqui, figura desejada,
e tudo o resto pouco mais é do que nada.

_________

Fernando Pessoa
Mensagem
X. Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu

_________
Mensagem
Fernando Pessoa
I. O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

_________

Vasco Graça Moura

Lamento para a língua portuguesa

Não és mais do que as outras, mas é nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia a dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que era tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, mesmo que essa anda
por tal degradação tão mais feliz
que o repete por luxo e não comanda,
com o bafo de hienas dos covis,
mais que uma vela vã nos ventos panda
cheia do podre cheiro a que tresanda.
foste memória, música e matriz
de um áspero combate: apreender
e dominar o mundo e as mais subtis
equações em que é igual a xis
qualquer das dimensões do conhecer,
dizer do amor e morte, e a quem quis
e soube utilizar-te, do viver,
do mais simples viver quotidiano,
de ilusões e silêncios, desengano,
sombras e luz, risadas e prazer
e dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem aves, ceifas, estações,
o trabalho, o sossego, o tempo insano
do sobressalto a vir a todo o pano,
e bonanças  também e tais razões
que no mundo costumam suceder
e deslumbram na só variedade
de seu modo, lugar e qualidade,
e coisas certas, inexactidões,
venturas, infortúnios, cativeiros,
e paisagens e luas e monções,
e os caminhos da terra a percorrer,
e arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos de conchas, verde jade,
doces luminescências e luzeiros,
que podias dizer e desdizer
no teu corpo de tempo e liberdade.
agora que és refugo e cicatriz
esperança nenhuma hás-de manter:
o teu próprio domínio foi proscrito,
laje de lousa gasta em que algum giz
se esborratou informe em borrões vis.
de assim acontecer, ficou-te o mito
de haver milhões que te uivam triunfantes
na raiva e na oração, no amor, no grito
de desespero, mas foi noutro atrito
que tu partiste até as próprias jantes
nos estradões da história: estava escrito
que iam desconjuntar-te os teu falantes
na terra em que nasceste. eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa,
e crescemos em ti. nem imaginas
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, vãs aspirinas,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vidas novas repentinas.
enredada em vilezas, ódios, troça,
no teu próprio país te contaminas
e é dele essa miséria que te roça.
mas com o que te resta me iluminas.

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Sophia de Mello Breyner Andresen
Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.

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Cantiga de amigo

- Ai flores, ai flores do verde pino,

se sabedes novas do meu amigo?

       Ai Deus, e u é?

  

Ai flores, ai flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado?

       Ai Deus, e u é?

  

Se sabedes novas do meu amigo,

aquel que mentiu do que pôs conmigo?

       Ai Deus, e u é?

  

Se sabedes novas do meu amado,

aquel que mentiu do que mi há jurado?

       Ai Deus, e u é?

  

- Vós me preguntades polo voss'amigo

e eu bem vos digo que é san'e vivo.

       Ai Deus, e u é?

  

- Vós me preguntades polo voss'amado

e eu bem vos digo que é viv'e sano.

       Ai Deus, e u é?

  

- E eu bem vos digo que é san'e vivo

e será vosco ant'o prazo saído.

       Ai Deus, e u é?

  

- E eu bem vos digo que é viv'e sano

e será vosc[o] ant'o prazo passado.

       Ai Deus, e u é?



Existe um repositório bastante atualizado dos Cancioneiros, no qual se podem encontrar músicas de algumas das cantigas.

Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. [Consulta em 24/03/2014] Disponível em: <http://cantigas.fcsh.unl.pt>.


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Testamento D. Afonso II
Em nome de Deus. Eu, rei D. Afonso, pela graça de Deus, rei de Portugal estando são e salvo, temendo o dia da minha morte, para a salvação da minha alma e para proveito de minha mulher D. Orraca e de meus filhos e de meus vassalos e de todo o meu reino, fiz meu testamento para que depois de minha morte, minha mulher e meus filhos e meu reino e meus vassalos e todas aquelas coisas que Deus me deu para governar estejam em paz e em tranqüilidade. Primeiramente mando que o um filho, infante D. Sancho, que tenho da Rainha D. Orraca assuma o meu reino inteiramente e em paz. E se este morrer sem deixar descendentes, o filho mais velho que houver da rainha D. Orraca tenha o meu reino inteiramente e em paz. E se não tivermos filho homem, a filha mais velha que tivermos, assuma o reino. E se no tempo da minha morte, meu filho ou minha filha que deve reinar não tiver idade, esteja o reino em poder da rainha, sua mãe. E meu reino siga em poder da rainha e de meus vassalos até quando cheguem à idade. E se eu morrer, rogo ao Papa, como padre e senhor e beijo a terra ante seus pés para que ele receba sob sua guarda e sob sua proteção a rainha e meus filhos e meu reino. E se eu e a rainha morrermos, rogo e peço que meus filhos e o reino sigam sob sua proteção.
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Minha Pátria é minha língua

Mangueira meu grande amor, 2007

Quem sou eu?
Tenho a mais bela maneira de expressar
Sou Mangueira...uma poesia singular
Fui ao Lácio e nos meus versos canto a última flor
Que espalhou por vários continentes
Um manancial de amor
Caravelas ao mar partiram
Por destino encontraram o Brasil...
Nos trazendo a maior riqueza
A nossa língua portuguesa
Se misturou com o tupi, tupinambrasileirou
Mais tarde o canto do negro ecoou
E assim a língua se modificou

Eu vou dos versos de Camões
As folhas secas caídas de Mangueira
É chama eterna, dom da criação
Que fala ao pulsar do coração

Cantando eu vou
Do Oiapoque ao Chuí ouvir
A minha pátria é minha língua
Idolatrada obra-prima te faço imortal
Salve... Poetas e compositores
Salve também os escritores
Que enriqueceram a tua história
Ó meu Brasil
Dos filhos deste solo és mãe gentil
Hoje a herança portuguesa nos conduz
à estação da luz!

Vem no vira da Mangueira vem sambar
Meu idioma tem o dom de transformar
Faz do Palácio do Samba uma casa portuguesa
É uma casa portuguesa com certeza




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