martes, 18 de noviembre de 2014

Cuento en Portugués. Queda



Queda
Ela notava como ia escorregando com lentidão. Suavemente o seu corpo ia descendo, sucumbindo à gravidade que começava a puxar forte por ela. Já quase tinha a forma de um ovo, quando de repente deslizou e começou a cair devagar, livre, sentindo toda a sua superfície brilhante reflectir  o cenario desde todos os pontos de vista, desde ângulos impensáveis, como mil objetivos de olho de peixe, mostrando finitas vezes um número de enquadramentos infinitos, ou pelos menos, incontáveis, inimagináveis, para uma mente vulgar como a minha.
 Cheirava a torradas acabadas de fazer e a café. Devia ser da casa do rés-do-chão, onde os meninos acordam ao fim-de-semana, sem preguiça nem ramelas, com uma energia própria de terça-feira.
 Entretanto ela continuava a descer. Não tinha medo, o tempo dava para perceber a descida serena e desfrutar tranquilamente das vistas de umas escadas bonitas, com degraus de pedra de granito, antigas, típicas de uma casa que não é deste tempo, mas que ainda se gaba da sua robustez e vence a banalidade dos anos.
 Ela ainda não conseguia distinguir a nódoa azul do fundo, mas parecia que era mesmo aí onde a sua viagem ia ter.
Devia soprar vento, uivava lá fora e assobiava a tentar entrar cá para dentro. Entretanto, ela continuava a cair, agora já conseguia ver o seu alvo, ia ter com as suas irmãs, ia mergulhar com elas no balde de cor azul. Mas ela tinha emoções contraditórias , não queria perder a sua riqueza, não queria abrir mão das suas reflexões sobre a vida, sobre o mundo, e mostrar só um ponto de vista. Lá se vão as individualidades das vistas futuristas da velocidade, das vistas cubistas dos seus reflexos, para ficar igual às outras, só um ponto de vista.  Mas a vida leva aí, já não da para subir, já não há escolha possível!
 Ela na sua pequenez, ía perder a sua riqueza para ficar parte de um todo maior em tamanho, mas menor em conteudo.
Há coisas que só podemos mudar durante uns tempos, individualmente, depois é a massa que engole!
Pensamento duma gota, a cair duma goteira
Laura Carnerero Carrillo



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